quinta-feira, 26 de março de 2015

Teor da decisão do STF sobre os quintos e o princípio da coisa julgada

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.03.2015. 

No julgamento do STF no instante da modulação dos efeitos ficou consignado: cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente. Indaga-se qual o efeito deste termo? 

Para elucidar a questão apresento algumas considerações sobre o termo ultra-atividade da norma jurídica. 

Ultra-atividade é quando uma norma gera efeitos mesmo após ter sido revogada. 


Vou dar um exemplo para tentar esclarecer: um Juiz dá uma sentença em que reconhece a Fulano determinado direito, com base em uma Lei do ano de 1950. Contudo, no ano de 1970, a Lei que dava o direito a Fulano é modificada por outra; e, segundo a nova Lei, Fulano não teria mais o direito. 

Nesse caso, graças ao princípio da coisa julgada (art. 5º, XXXVI da Constituição Federal; vide fontes), a sentença não poderá ser modificada, e a Lei de 1950, pelo menos para o Fulano, mesmo revogada, continuará a gerar efeitos. Isso é a ultratividade. 

Apenas lembrando que não há ultratividade no caso de os efeitos violarem a Constituição, se houver mudança constitucional. 

Retroatividade, por outro lado, é quando uma norma gera efeitos no passado. 

Como você pode perceber, a regra é que as Leis não podem modificar o passado, para não causar insegurança jurídica. Contudo, no caso, por exemplo, do Ciclano, que ajuiza uma ação em que pede que determinada norma seja declarada inconstitucional; se o Juiz concordar com a tese, e declarar a norma inconstitucional, os efeitos dessa declaração são retroativos - porque é como se a norma nunca tivesse existido, diz a doutrina. Todos os prejuízos que Ciclano sofreu no passado, por causa da norma inconstitucional, serão revertidos. Isso é a retroatividade. 

Só para lembrar que, no caso de direito penal, a Lei mais prejudicial ao réu nunca pode retroagir (a mais benéfica pode). 

Importante destacar os termos da modulação do referido julgamento: desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até esta data. O STF neste julgamento excepcionou a regra já estabelecida pelo próprio STF no recebimento de valores de boa fé, uma vez que na omissão do referido julgamento, correria o risco dos servidores caírem na regra geral já estabelecida e serem prejudicados na devolução dos valores recebidos. 

Surgem várias questões jurídicas e intrigantes com o referido julgamento: 

1) O ato administrativo que concedeu as incorporações é caracterizado como nulo ou anulável? Sendo nulo, não há observância do prazo decandencial, conforme já apresentado no post anterior. 

2) O julgamento do STF alcança as situações com sentença transitada em julgado sobre a matéria? Há uma grande divergência sobre a dicotomia: coisa julgada x inconstitucionalidade superveniente, na qual sustenta que a coisa julgada não é um direito ou garantia absoluta, caso esteja em discordância com a Magna Carta. 

3) A relativização da coisa julgada também está em repercussão geral no STF, qual será o desdobramento de demandas que questionarem o respeito a coisa julgada? Serão processadas ou ficarão suspensas aguardando a decisão do STF? 

4) Em se tratando de controle difuso de constitucionalidade o STF comunicará ao Senado Federal, em cumprimento ao artigo 52, inciso n. X, da CF/88. 

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

Há possibilidade do Senado por meio da Resolução alterar o posicionamento do STF, a fim resguardar o direito dos servidores que tiveram reconhecimento administrativo e com sentença transitada em julgado? 

quarta-feira, 25 de março de 2015

PRAZO DECADENCIAL PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REVER OS PRÓPRIOS ATOS.

Para revisar seus atos, a Administração Pública deve observar o estabelecido no artigo 54 da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

No entanto, é necessário defender que todos os atos praticados pela Administração, anteriormente à 
edição da Lei 9.784, de 1999, somente decaíram a partir de janeiro de 2004 (salvo aqueles nos quais houve má-fé, fraude, que não estão abrangidos por prazo decadencial), pois a Lei não tem aplicação retroativa.

Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 433.329 - RS (2002/0051886-2)
RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
AGRAVANTE : LUIZ CARLOS RIBEIRO FAN
ADVOGADO : JOSÉ LUÍS WAGNER E OUTROS
AGRAVADO : UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM/RS
PROCURADOR : JOSÉ CARLOS GUIZOLFI ESPIG E OUTROS
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI. PRAZO QÜINQÜENAL. LEI Nº 9.784/99. INCIDÊNCIA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. APOSENTADORIA. SERVIDOR OCUPANTE DA ÚLTIMA CLASSE DA CARREIRA. CÁLCULO. VENCIMENTO BÁSICO PADRÃO. ARTIGO 192, INCISO II, DA LEI N° 8.112/90.
1. Embora a doutrina seja uníssona na afirmação do caráter relativo da não submissão da autotutela ao tempo, em obséquio da segurança jurídica, um dos fins colimados pelo Direito, é certo que, no sistema de direito positivo brasileiro, o poder estatal de autotutela não se mostrou nunca, anteriormente, submetido a prazos de caducidade, estabelecendo-se, além, ao revés, prazos prescricionais em favor do Estado.
2. A partir da edição da Emenda Constitucional nº 19, entretanto, significativas mudanças ocorreram no Direito Administrativo Brasileiro, culminando com a chamada "Reforma do Aparelho do Estado" , e com expressivas modificações no estatuto legal e constitucional do jus imperii.
3. Dando consecução aos imperativos do Estado Social e Democrático de Direito, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinou, nos próprios da decadência, o poder-dever de autotutela da Administração Pública, que até então não se submetia a prazo qualquer.
4. A Lei nº 9.784/99 não tem incidência retroativa, de modo a impor, para os atos praticados antes da sua entrada em vigor, o prazo qüinqüenal com termo inicial na data do ato.
5. "(...) A vantagem pecuniária a que tem direito o servidor público ocupante da última classe da carreira, quando da sua aposentação com proventos integrais, deve ser calculada comparando-se o vencimento básico do padrão em que o servidor se aposentou e o vencimento básico do padrão correspondente da classe imediatamente anterior. Inteligência do artigo 192, inciso II, da Lei 8.112/90. Precedentes. (...)" (AgRgEREsp n° 236.883/CE, da minha Relatoria, in DJ 7/4/2003).
6. Agravo regimental improvido.

E ainda: Resp 639.604/PR, STJ,. RE 950.912 - SC 2007.0109597-0, Ministro Arnaldo Esteves Lima, data julgamento 28 de agosto de 2008, MS 10.760/DF, MANDADO DE SEGURANÇA, 2005/0102209-3, Ministro Félix Fischer, Terceira Seção, data do julgamento 08.11.2006

Assim, as decisões que acolham a retroação da Lei 9.784, de 1999, para o fim de declarar decaído o direito da Administração de revisar os atos anteriores à lei tendo em vista a data da edição do ato, deve-se recorrer, prequestionando, desde o primeiro grau, o art. 54 da Lei 9784 e do art. 1º da LICC.

Obs.: Tratando-se prestações de trato sucessivo, ainda que ocorrida a decadência ao direito de revisão do ato administrativo concessório do direito, deve-se sustentar a possibilidade de, a qualquer tempo, rever a parcela atual do direito, por se tratar de erro material que pode ser revisto a partir de então, com a finalidade de ofertar-se o valor correto.

Também merece ser destacado que a aplicação do art. 54, da Lei 9.784/99, está restrita aos atos anuláveis. Aos atos nulos, por contrários à Constituição ou ilegais, não se aplica a norma em análise. 

Neste sentido, seguem julgados do TRF2:

Processo AMS 200351060023179
AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 61820
Relator(a) Desembargador Federal MARCELO PEREIRA/no afast. Relator Sigla do órgão TRF2 Órgão julgador OITAVA TURMA ESPECIALIZADA Fonte DJU - Data::02/03/2009 - Página::131 Decisão A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso e à remessa necessária, nos termos do voto do(a) Relator(a). Ementa EMENTA ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA CUMULADA COM DIFERENÇA INDVIDUAL PREVISTA NO ART. 8º DA LEI 7.923/89. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO DAS DIFERENÇAS.REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. NECESSIDADE. ART. 46, CAPUT, DA LEI 8.112/91. 1. O ato que determina o pagamento concomitante de verbas pecuniárias, cuja cumulação é vedada por lei é nulo, por vício insanável quanto ao objeto, não estando, portanto, sua revisão sujeita ao prazo decadencial previsto na Lei 9.784/99. 2. O Supremo Tribunal Federal, mitigando o rigor de sua jurisprudência predominante, reconheceu recentemente que a reposição ao erário dos valores indevidamente pagos a servidores por erro da Administração seriam insuscetíveis de cobrança quando verificada a presença concomitante dos seguintes requisitos: “I – presença de boa-fé do servidor; II – ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; III – existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; IV – interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração” (cf. MS 256.641/DF, Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008) 3.A reposição ao erário deve ocorrer nos moldes do art. 46, caput, da Lei n.º 8.112/90, segundo o qual exige-se a prévia comunicação ao servidor da realização dos descontos ali previstos, o que não significa a necessidade de instauração de processo administrativo formal, com a possibilidade de ampla defesa. 3.Remessa necessária e recurso providos. Data da Decisão 17/02/2009 Data da Publicação 02/03/2009.


Processo AMS 200150010004798
AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 57288
Relator(a) Desembargador Federal ROGERIO CARVALHO Sigla do órgão TRF2 Órgão julgador SEXTA TURMA ESPECIALIZADA Fonte DJU - Data::21/06/2006 - Página::165/166 Decisão Acordam os membros da Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, a unanimidade, nos termos do voto do Relator, em dar provimento ao recurso e à remessa necessária. Ementa CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REDUÇÃO DE VALORES PERCEBIDOS EM DESACORDO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AOS LIMITES DELA DECORRENTES. DECADÊNCIA. A redução de vencimentos e vantagens percebidos em desacordo com a Constituição aos valores dela decorrentes não se sujeita ao prazo decadencial do art. 54 da Lei n° 9.784/99. Entender que o ato administrativo determinado no art. 17 do ADCT é alcançado pelo art. 54 da Lei n° 9.784/99 é fazer interpretação de dispositivo constitucional em conformidade com o que prescrito em norma infraconstitucional, o que constitui verdadeira patologia jurídica. Pagamento de vantagem pessoal nominalmente identificável segundo o índice percentual à época do enquadramento é fazer reajuste da dita vantagem em desacordo com o inciso X do art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual a alteração da mesma só se dará mediante lei específica. A vantagem pessoal nominalmente identificável, a que se refere o §2° do art. 5° do Decreto n° 95.689/88, que respeita a garantia constitucional da irredutibilidade nominal dos vencimentos, não se confunde com o vencimento básico, a que se refere o PUCRCE. Inexistência de direito adquirido à incidência de gratificações (GAE) e adicionais (anuênios) sobre a vantagem pessoal nominalmente identificável do §2° do art. 5° do Decreto n° 95.689/88. Pagamento de gratificações e adicionais com incidência sobre a vantagem pessoal do §2° do art. 5° do Decreto n° 95.689/88 é computar o acréscimo pecuniário, pessoal, nominalmente identificável , para fins de acréscimos ulteriores, em desacordo com o que disposto no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal. Apelo e remessa necessária a que se dá provimento.


A doutrina administrativa não é pacífica sobre a gradação de vícios que contaminam os atos administrativos. Alguns autores reconhecem apenas a nulidade absoluta desses atos quando viciados. Outros identificam níveis de viciamento dos atos, como ocorre no direito comum.

Celso Antonio Bandeira de Mello faz parte da segunda corrente. Para ele há atos administrativos, inexistentes, nulos e anuláveis. “Nulos seriam os atos assim declarados pela lei, os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior”.

A distinção tem importância no que tange ao seu regime jurídico, pois os atos nulos jamais poderão ser convalidados, ao contrário dos atos anuláveis.


Dessa forma, os dispositivos da Lei n.º 9.784/99 só são aplicáveis a atos anuláveis, nunca a atos nulos. Esta diferenciação é estabelecida pelo fato de que a convalidação de atos administrativos nulos fere frontalmente o art. 37, caput, da nossa Constituição Federal.